Projeto da Associação Indígena Kisêdjê atua para restaurar a floresta e o Cerrado e gerar renda para a Terra Indígena Wawi por meio da valorização do pequi e outros produtos da sociobiodiversidade
Responsável pela produção de um óleo de pequi premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019, o povo Kisêdjê, que habita a Terra Indígena Wawi, no Mato Grosso, inaugurou, no mês de novembro, sua Miniusina de Processamento de Pequi, para beneficiamento do fruto cerratense e de outros produtos da sociobiodiversidade.
A equipe do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) foi participar da inauguração que, além de celebrar a conquista, ainda reforça a cultura, a tradição alimentar, o sistema agrícola tradicional, e a produção sustentável do povo Kisêdjê associada à inovação.
A Miniusina, um local estruturado para a transformação do pequi em óleo, foi construída dentro da aldeia Khikatxi, a maior das sete aldeias da T.I. Wawi, mantida por mais de 460 famílias. O empreendimento comunitário é fruto do projeto “Pequi do Kisêdjê: recuperando a floresta, gerando renda e cuidando da nossa alimentação”, que recebeu apoio do Fundo PPP-ECOS, com financiamento do Fundo Amazônia, e foi executado pela Associação Indígena Kisêdjê (AIK) – uma organização indígena fundada em 2005 para atuar em defesa do território e na valorização dos seus modos de vida tradicionais.
“O projeto do óleo de pequi representa para nós a possibilidade de demonstrar nosso trabalho com um alimento saudável, sustentável e que traz renda para a comunidade”, explica Winti Suya, ex-presidente da AIK e chefe da CTL Funai para a região, acrescentando que esse trabalho também gera o fortalecimento da cultura de seu povo.
Como manda a tradição Kisêdjê e dos povos indígenas do Xingu, a equipe técnica do ISPN foi recebida no centro do grande pátio da aldeia, na chamada Casa dos Homens, pelo cacique Waduwabati Suya e toda a comunidade. Na sequência, com toda a aldeia mobilizada, entoando cantos e danças tradicionais, foi realizada a inauguração da Miniusina de Processamento de Pequi, com a participação de outros parceiros do projeto como o Instituto Socioambiental (ISA), Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), Programa REM Mato Grosso e Grupo Rezek.
Importante ressaltar que é um espaço único no TIX, uma agroindústria planejada para processar não só o pequi como outros produtos da sociobiodiversidade, obedecendo às normas sanitárias, o que permitirá num futuro breve a regularização de seus produtos e, com isso, acesso a novos mercados.
À noite, houve ainda o momento do moitará, uma palavra utilizada por povos do Alto Xingu, para se referir a um rito de troca de artefatos manufaturados de cada grupo. No caso de visitantes não indígenas, a troca acontece com itens trazidos de fora das aldeias.
Além da construção da Minusina do Pequi, o projeto apoiou a fortalecimento da gestão da AIK, com a capacitação da juventude em boas práticas administrativas, com a aquisição de veículo para facilitar a comercialização e as atividades produtivas, com o manejo e a manutenção dos pequizais, contribuindo para a restauração de áreas anteriormente degradadas e para a segurança alimentar desse povo. Fazem parte da cultura alimentar Kisêdjê a pesca, a caça, coleta de frutas nativas – como o próprio pequi, o murici, dentre outros – além de roças tradicionais que consorciam várias espécies como a mandioca, cará, amendoim, batata, pimenta, banana.
Por meio das redes de parceiros e beneficiários do Fundo PPP-ECOS, a AIK participou de um intercâmbio sobre a temática do turismo de base comunitária, assunto que a organização passou a discutir com mais profundidade.
Isabella Fagundes, assessora técnica do ISPN, responsável por acompanhar o desenvolvimento do projeto desde 2019, lembrou que a execução deste projeto ocorreu em meio a “anos muito difíceis”, tendo atravessado uma pandemia e um governo que não priorizou a questão indígena e ambiental no país.
“O mundo agradece a resistência do povo Kisêdjê, seu exemplo na manutenção da floresta Amazônica e do Cerrado, sua resiliência em insistir num futuro sustentável e eu sinto uma enorme alegria pela oportunidade de ter acompanhado esse trabalho pelo ISPN”, disse.
Para Rodrigo Noleto, coordenador do Programa Amazônia, do ISPN, que também esteve presente na inauguração da agroindústria, a organização comunitária Kisêdje representa uma forma sustentável de viver.
“A gente espera que as demais comunidades rurais brasileiras, indígenas, quilombolas, ribeirinhas e de agricultura familiar, possam se fortalecer neste mesmo sentido. Com união, força e liderança”, disse ele.
O projeto contou ainda com consultoria da engenheira de alimentos Graziela Paludo para a construção da mini usina. “Foi um grande desafio”, descreveu ela sobre o processo, que aconteceu durante a pandemia e de forma virtual.
Apesar disso, “quando as pessoas se unem em único propósito, barreiras são superadas e colhemos os melhores resultados”, disse, acrescentando que “a comemoração organizada pelo povo Kisêdjê está entre os momentos mais emocionantes que já vivi em minha profissão”.
Em 2019, o óleo de pequi produzido pela AIK foi um dos vencedores do Prêmio Equatorial 2019, concedido pela ONU a cada dois anos para “soluções locais e indígenas de desenvolvimento sustentável”.
Para chegar no território indígena, é preciso atravessar centenas de quilômetros de vegetação nativa desmatada e uma extensa paisagem de monocultivo de soja intensamente movimentada por equipamentos de aplicação de agrotóxicos. O estado do Mato Grosso é o maior produtor do grão do país. Apenas em 2021, foram mais de 35 milhões de toneladas colhidos por ali. Um quarto de toda a soja brasileira.
A cidade mais próxima da terra indígena Wawi é Querência (MT), o décimo maior município sojicultor do Brasil. Já a T.I. Wawi, que pertence ao Território Indígena do Xingu (TIX), à leste do Parque Indígena de mesmo nome, vai no sentido oposto daquele cenário desmatado e com monocultivo. É exemplo de que é possível combinar a manutenção de modos de vida tradicionais, a conservação e a gestão do território, com alternativas econômicas sustentáveis, geração de renda, promoção da sociobiodiversidade e a conservação da Floresta Amazônica e do Cerrado.
Agroindústria
A conquista da Miniusina de Processamento de Pequi, é um marco para o território, já que este tipo de empreendimento, que também pode ser entendido como uma agroindústria, vem acompanhado de dúvidas em relação à legislação sanitária. Na mesma semana da inauguração do estabelecimento comunitário de pequi do povo kisêdjê, o ISPN lançou um site inédito a fim de apoiar a inclusão socioprodutiva de grupos familiares, artesanais e comunitários, por meio de informações que facilitam o acesso aos mercados formais.
O site conta com um assistente virtual que convida o usuário a explorar a legislação sanitária: “Vamos te ajudar a entender como regularizar sua agroindústria! Basta responder algumas perguntas para conhecer as normas sobre produtos, rotulagem e estabelecimentos”.
Para saber mais, acesse agroindústria.org.br.
PPP-ECOS
A iniciativa da AIK é mais uma experiência ecossocial exitosa, implementada com apoio do Fundo PPP-ECOS, do ISPN, com recursos financeiros do Fundo Amazônia.
O ISPN atua pela conservação dos biomas há mais de 33 anos, período em que essa e outras tantas histórias reafirmam o conceito de paisagem produtiva ecossocial como foco da estratégia PPP-ECOS.
Saiba mais sobre o PPP-ECOS clicando aqui.
Texto por Camila Araujo/Assessora de Comunicação do ISPN.