Comunidade conquista primeiro registro sanitário no Maranhão para agroindústria de polpas de frutas em território quilombola

Após quase dez anos de trabalho, associação é a primeira produtora de polpa em território quilombola do Maranhão a obter autorização para acessar o mercado formal.

No mês de abril, a Associação da Comunidade Quilombola de São José dos Portugueses, localizada em Cândido Mendes, região noroeste do estado do Maranhão, conquistou junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) o certificado de registro de estabelecimento, como produtor e fabricante de polpa de frutas. Com isso, estarão habilitados para disponibilizar seus produtos no mercado formal, inclusive via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e outros mercados institucionais em todo Brasil.

A Associação é a primeira  em território quilombola a receber o registro no Maranhão e a segunda no Brasil. A conquista é um importante marco para a geração de renda e desenvolvimento social do Alto Turi, uma das regiões mais pobres do estado. A ação também é importante para a oferta de alimentos agroecológicos à população da região, com uma agroindústria, a EcoPolpa, regularizada oficialmente com todas as exigências e protocolos sanitários, podendo fornecer alimentos contextualizados para a região.

“A comunidade, às vezes, ficava esmorecida, mas sempre confiante que daria certo, e agora vamos poder levar nosso produto para todo o Brasil. A comunidade inteira está muito feliz com essa conquista, e é assim que vamos aos poucos, construindo mais vitórias pelo nosso povo quilombola, mesmo em uma região tão sacrificada”, comenta um dos idealizadores do Projeto que possibilitou essa conquista, o agricultor e quilombola Marinaldo Silva Oliveira.

E para marcar a conquista, no dia 21 de maio, acontecerá a inauguração da Agroindústria EcoPolpa, que também será um momento de articulação para a sustentabilidade e apoio ao fortalecimento da iniciativa. O evento será realizado na própria comunidade Quilombola de São José dos Portugueses e contará com a presença do governador do estado do Maranhão, das prefeituras da região do Alto Turi, do presidente da Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (AGERP), do secretário da agricultura familiar do estado, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e potenciais parceiros comerciais da região.

Região com fortes impactos da desigualdade social 

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IDHM de Cândido Mendes é de 0,561, um dos mais baixos do Brasil, sendo contemplado no projeto + IDH do Maranhão. A região do Alto Turi, onde está localizado o município, tem fortes resquícios de um passado escravocrata, no qual grande parte da população negra precisou se reorganizar para conseguir terra e alimentação. Os baixos índices de renda e educação contrastam com a realidade ambiental, especialmente com a grande diversidade de frutos não  aproveitados por falta de estrutura.

“A região é muito rica, o ambiente cuidado pelos quilombolas produz diferentes espécies de frutas nativas e cultivadas, tem açaí, bacuri, bacaba, abacaxi, caju e tantas outras que não eram aproveitadas e se perdiam por falta de estrutura para o beneficiamento. A luta da Comunidade São José dos Portugueses vem para unir o uso desses recursos à geração de renda, fundamental nos tempos atuais, inclusive para a permanência da juventude no meio rural. É um bom exemplo para inspirar políticas públicas de inclusão socioprodutiva, essenciais para a região”, enfatizou Silvana Bastos, assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), que acompanha a trajetória da Associação da  Comunidade Quilombola São José dos Portugueses.

O fortalecimento socioprodutivo das comunidades tradicionais, com políticas públicas que favoreçam o acesso aos mercados, é um bom caminho iniciado pela associação. “Esperamos o desenvolvimento, esperamos saber que o que fazemos aqui tem reflexo no desenvolvimento da nossa cidade”, comenta a presidenta da Associação, Raimunda Nascimento e Coelho.

Projeto apoiou a realização do sonho da comunidade 

Desde 2014, os quilombolas de Cândido Mendes batalhavam para obter infraestrutura para o beneficiamento das frutas da região e se regularizar junto ao Mapa. Nesse período, a comunidade iniciou um projeto para a realização do sonho de fortalecer os produtos da sociobiodiversidade local e construir uma agroindústria, a EcoPolpa, com o apoio do Fundo para a Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS), gerenciado pelo ISPN e que recebe apoio financeiro do Fundo Amazônia.

Depois de oito anos, R$ 390 mil em projetos ecossociais foram investidos na construção e instalação da agroindústria, nas capacitações para as boas práticas e gestão do estabelecimento, no manejo das áreas nativas conservadas e na produção dos quintais produtivos, onde mais de 10 tipos de frutas são produzidas e processadas como polpas agroecológicas. A Associação também contou com a parceria da prefeitura municipal de Cândido Mendes, da Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural do Maranhão (Agerp) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que contribuíram com assessoria técnica, que somada à mão de obra e outros aportes da comunidade, contabilizam mais R$ 107 mil de contrapartida ao empreendimento. Além disso, o ISPN apoiou a contratação de consultoria especializada em regularização sanitária, fundamental para a conquista junto ao Mapa.

Hoje, já são 30 famílias diretamente envolvidas na execução do projeto e a perspectiva é aumentar esse número para 170. Com essa meta, os moradores locais poderão comercializar suas frutas para a agroindústria, aumentar suas rendas e contribuir para o desenvolvimento sustentável da região. Nesse sentido, a oferta de produtos locais será fortalecida, mudando uma situação onde grande parte das polpas vem do Pará, uma contradição para uma localidade tão rica em diversidade frutífera.

“O impacto que a comunidade vai ter com esse registro vai ser de grande relevância para alavancar nossa agricultura e fruticultura, uma vez que a comunidade tem uma diversidade de frutos nativos e também de cultivos que em anos anteriores eram estragados, até mesmo com beneficiamento tínhamos barreira na comercialização, motivado por não ter o registro sanitário. Nossos agricultores produziam e colhiam o necessário, agora temos a primeira agroindústria de polpas em comunidade quilombola no estado do Maranhão com certificação junto ao MAPA”, afirmou Abnaldo Reis Coelho, quilombola e integrante da coordenação do projeto.

Por que a regularização junto ao Mapa foi uma conquista? 

A regulamentação da cadeia de polpa de frutas é uma das mais complexas devido a diversas exigências requeridas para que a produção desse tipo de empreendimento familiar esteja dentro das normas sanitárias. O transporte dos produtos é um dos complicadores, pois é fundamental manter a refrigeração das polpas e para isso a infraestrutura precisa ser adequada. O registro para comercialização também é diferente da maioria dos produtos, que conseguem essa autorização, geralmente, via municípios, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No caso das polpas de frutas, a autorização só é dada em âmbito federal, por meio do Mapa.

Para o coordenador do Programa Amazônia do ISPN, Rodrigo Noleto, as agroindústrias comunitárias e familiares geralmente são unidades simples, mas que agregam valor aos produtos da sociobiodiversidade. “Apesar disso, há casos, como das unidades de polpas de frutas, que encontram dificuldades para se regularizarem e, por isso, demandam apoio de profissionais especializados para atender os trâmites do órgão regulador da produção, o Mapa. Essa atribuição dada a um órgão distante dos municípios dificulta que pequenas unidades tenham seu produto habilitado para o mercado formal. Poucas são as unidades de beneficiamento de polpas de frutas de origem comunitária, como a do Quilombo de São José dos Portugueses, que com muito esforço conseguiu superar as dificuldades e garantir o seu produto no mercado, seja ele qual for”, ressaltou Noleto.

O sonho continua 

Quase dez anos depois do início dessa trajetória, a Associação da  Comunidade Quilombola São José dos Portugueses conquistou a autorização, o que agora também lhe permite comercializar em todo o Brasil e junto aos mercados institucionais, como o PAA e o PNAE. A merenda escolar e a população local terão no seu dia a dia o gosto da própria diversidade local.

Hoje, a comunidade faz o manejo sustentável de 2.100 hectares com frutas nativas. Com a EcoPolpas, as famílias podem continuar com o sonho de comercializar, pelo menos, R$ 120 mil em polpas ainda em 2022. Isso possibilitará que a população local tenha mais acesso a produtos feitos na própria região, mais saudáveis e em sintonia com suas realidades. “A nossa perspectiva agora com essa certificação, além de alavancar as vendas dos nossos produtos, é tornar nossa comunidade mais produtiva, viva e produtiva”, falou entusiasmado Abnaldo.

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Website facilita acesso à informação sobre regras para regularização de agroindústrias

O ISPN lançou o website Agroindústria, que traduz em linguagem acessível os instrumentos legais para regularização da produção de pequenos e médios agricultores e agroextrativistas de produtos animais ou vegetais. A novidade tem formato simplificado, acessível inclusive para pessoas com dificuldades digitais. Interessados poderão acessar a página pelo endereço www.agroindustria.org.br e seguir o passo a passo autoexplicativo para encontrar as orientações adequadas de acordo com os produtos comercializados. O portal informa as regras para produção de cocos, castanhas, frutas, legumes, panificados, pescados, mandioca e produtos derivados. Para o futuro, a página prevê atualizações para incorporar orientações para beneficiamento de mais produtos, como o mel e outros de origem animal.