Central do Cerrado: sociobiodiversidade nas gôndolas de mercados

Farinha de jatobá, óleo de babaçu, castanha de pequi, flocão de milho não transgênico, sabão de coco macaúba e castanha de baru. Esses são alguns dos itens comercializados pela Cooperativa Central do Cerrado.

Construído em 2004, o empreendimento atua para valorizar os produtos da sociobiodiversidade amazônica, cerratense e caatinguense e garantir renda a povos e comunidades tradicionais destes biomas para que conservem territórios, paisagens e modos de vida.

“Aqui, a comercialização é um meio e não um fim para atingir este objetivo”, explica o secretário executivo da organização, Luis Carrazza.

Fruto de um coletivo de organizações apoiadas pela estratégia para a Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS), do ISPN, a Central do Cerrado comercializa produtos de mais de 40 organizações comunitárias de nove estados brasileiros: Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Pará, Goiás e Piauí.

Buritis, fruto tradicional do Cerrado, na Lagoa das Araras, Distrito de Bom Jardim (Foto: André Dib)

Os produtos advém do agroextrativismo, uma prática que ocorre aliada à observação da natureza e ao respeito do ciclo produtivo e reprodutivo das árvores e cujas vendas geram renda a famílias a partir da conservação da vegetação nativa. Por esse motivo, são estruturados em cadeias produtivas sustentáveis – que prezam pelo cuidado em relação ao ciclo da água, à regulação climática e à conservação da biodiversidade.

Parcerias

Após atingirem um nível de gestão e estrutura mais sólidas, as organizações que construíram a Central do Cerrado inicialmente buscavam ampliar a comercialização de seus produtos para além de suas regiões – podendo, desta forma, chegar a mais locais do país e também ao exterior.

“Resolvemos montar uma central de comercialização para ter uma equipe e estratégia compartilhada ao invés de cada uma montar sua forma de trabalhar”, comenta Luís.

Luis Carrazza é secretário executivo da Central do Cerrado (Foto: Acervo Copabase/Reprodução)

Os empreendimentos comunitários juntos nessa parceria poderiam ter uma diversidade de produtos e uma quantidade que fizesse sentido aos procedimentos coletivos de comercialização. A ideia era gerar e distribuir renda para as comunidades, além de melhorar a qualidade de vida da população do entorno.

Uma dessas organizações que compõem a Central é a Cooperativa da Agricultura Familiar Sustentável Baseada na Economia Solidária (Copabase), localizada em Arinos, município do noroeste de Minas Gerais. A Copabase tem como foco a produção, processamento e agricultura familiar de nível comercial, utilizando produtos da biodiversidade do Cerrado. A organização está sediada em um território auto-reconhecido como Grande Sertão Veredas.

Acervo ISPN/Camila Araujo

Acervo ISPN/Camila Araujo

Baru é o principal produto comercializado pela Copabase (Foto: Raimundo Sampaio/Agência Cajuí)

A cooperativa abrange mais de 10 municípios do território, incluindo mais de 40 comunidades rurais de assentamentos da reforma agrária, além de comunidades tradicionais.

Os objetivos da Copabase estão alinhados com os da Central do Cerrado, ou seja, apoiar as famílias rurais com incentivo à geração de renda, além de criar uma identidade territorial por meio de oportunidades, competitividade e volume de produtos.

Dionete Figueiredo, coordenadora executiva da Copabase (Foto: Acervo Copabase/Reprodução)

Dionete Figueiredo, coordenadora executiva da Copabase, cresceu em uma comunidade tradicional de agricultores, e faz parte da entidade desde a sua criação. Ela  comemora a parceria com a Central do Cerrado. “É uma parceria cada vez mais fortalecida por essa estrutura de mercado, logística e representatividade”.

Outras experiências

A cerca de 1,8 mil km da Copabase, encontra-se a Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas do Lago do Junco, conhecida como COPPALJI, no norte do Maranhão. O empreendimento comunitário faz parte das cooperativas da Central do Cerrado e é especializado na produção e comercialização do óleo de coco babaçu.

Fundada em 1991, com sede nos municípios de Lago do Junco, Lago dos Rodrigues e Bom Lugar, a COPPALJ tem como principal objetivo garantir qualidade de vida às quebradeiras de coco babaçu da região, com acesso às políticas públicas de habitação, educação e saúde, garantindo também um preço justo para a venda de amêndoas do coco.

É o que explica Ricardo Araújo, assessor técnico da COPPALJ, acrescentando que o empreendimento busca equilíbrio econômico, social e ambiental da região da cooperativa.

Ricardo Araújo é assessor técnico da COPPALJ (Foto: Acervo COPPALJ/Reprodução)

“Não adianta a cooperativa ter lucro se o meio ambiente for prejudicado. A responsabilidade social e ambiental é uma obrigação.”

Hoje, a cooperativa reúne 230 quebradeiras de coco babaçu de 45 comunidades diferentes. O trabalho está distribuído em nove locais de armazenamento e venda, chamados de cantinas, que compram amêndoas e vendem outras mercadorias. Cada cantina tem seu espaço específico de discussão, para falar sobre gestão, operação e outros temas relacionados.

A COPPALJ também vem trabalhando para fortalecer os planos de manejo do babaçu, considerando os impactos ambientais da atividade extrativista. “É preciso conservar as palmeiras jovens e respeitar as diferentes fases da planta”, diz Ricardo.

“Fizemos um manual sobre isso a partir dos acordos coletivos que temos para o uso do babaçu”, completa.

A respeito da parceria com a Central do Cerrado, Ricardo lembra que ela vem muito antes da formalização do grupo e que a COPPALJ quer sempre fortalecê-la. “A Central do Cerrado nos abriu um leque de possibilidades, com venda direta, participação em feiras e espaços com chefs renomados.”

Quebradeiras de Coco do Babaçu na Reserva Extrativista do Ciriaco (Foto: Peter Caton/Acervo ISPN)

Pelas feiras

Desde o início dos anos 2000, os empreendimentos que fundaram a Central do Cerrado participavam de encontros e feiras para debater a venda da produção. Naquele período, o PPP-ECOS já acumulava mais de uma década de conhecimento e apoio às organizações comunitárias.

A Cooperativa foi formalizada enquanto entidade apenas em 2010, tendo sido incubada dentro do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). “Eu era técnico e trabalhava com foco em criar uma estratégia de comercialização dos produtos dos projetos PPP-ECOS”, declara o secretário executivo.

O aprendizado colhido ao longo dos anos de trabalho foi o de atuar em múltiplos canais de comercialização para garantir a sustentabilidade financeira da Central, por meio da venda direta ao consumidor, da preparação de coquetéis e lanches, de vendas on-line, por loja física em Brasília. E também por meio de revendedores, vendas em empórios, grandes mercados de varejo, vendas de matéria prima para indústria e exportação.

Galpão da Central do Cerrado está localizado em Brasília-DF (Foto: Raimundo Sampaio/Agência Cajuí)

As vendas virtuais tanto na loja própria da Central do Cerrado e nas principais plataformas de vendas on-line, bem como o acesso às redes de supermercado e no varejo em geral, resultaram em um aumento da viabilidade do negócio.

A parceria com o supermercado Carrefour, que já chega a dois anos, garante uma gôndola própria em todas as lojas da marca no Distrito Federal. Agora a cooperativa também fornece baru para mais 40 lojas na cidade de São Paulo, e outros produtos para 17 hipermercados.

Para saber mais sobre a Cooperativa, comprar produtos e consultar receitas, acesse o site.

Equipe Central do Cerrado (Foto: Camila Araujo/Acervo ISPN)

PPP-ECOS

Em 1994, o ISPN foi selecionado para coordenar o Small Grants Programme (SGP), no Brasil, onde ficou conhecido como Programa de Pequenos Projetos Ecossociais.

Em 2019, o PPP-ECOS se transforma em uma estratégia institucional para promover Paisagens Produtivas Ecossociais, por meio de quatro pilares: acesso a recursos, articulação política, protagonismo comunitário e gestão do conhecimento.

No Brasil, a iniciativa já apoiou mais de 890 projetos no Cerrado, na Caatinga e na Amazônia. Saiba mais aqui.

Reconhecido internacionalmente como um programa de apoio a projetos comunitários, o Small Grants Programme atua em 125 países com financiamento do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) e implementação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Paisagem do Cerrado (Foto: André Dib/Acervo ISPN)

* Foto da capa da matéria é de um estande de produtos no galpão da Central do Cerrado em Brasília-DF feita por Raimundo Samapaio/Agência Cajuí. Texto por Camila Araujo/Assessora de Comunicação.